O Caso Ricardo Godoi e os Limites da Anestesia em Tatuagens
A recente morte de Ricardo Godoi, influenciador e empresário, durante um procedimento de tatuagem em Itapema (SC), levantou um debate sobre os limites da segurança em práticas estéticas. Ricardo, de 46 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória logo após receber anestesia geral — um procedimento ainda pouco comum, e bastante controverso, no universo da tatuagem.
O caso ocorreu no dia 20 de janeiro, em um hospital particular da cidade. Houve a participação de uma equipe especializada e a realização de exames prévios. Ainda assim, a tragédia expôs os riscos associados ao uso de anestesia geral em procedimentos eletivos, especialmente quando esses contextos extrapolam os propósitos médicos tradicionais.
O debate sobre tatuagem e anestesia
A busca pela perfeição estética e o aumento da popularidade de tatuagens em áreas extensas ou sensíveis têm levado muitas pessoas a considerar o uso de anestesia. Contudo, essa prática levanta uma série de questões: até que ponto o desconforto de um procedimento justifica um risco tão elevado? Em quais situações a anestesia geral deveria ser indicada — se é que deveria?
Profissionais da saúde alertam que a anestesia geral não é isenta de riscos, mesmo em indivíduos saudáveis. Reações adversas e a possibilidade de parada cardiorrespiratória são fatores que precisam ser considerados. Por outro lado, existe uma pressão cultural crescente para tornar os procedimentos de modificação corporal menos dolorosos. Seguindo o exemplo de funkeiros, trappers e jogadores de futebol, pessoas com maior poder aquisitivo querem a opção menos dolorosa — o que pode colocar tatuadores e médicos em posições delicadas.
Responsabilidade profissional e segurança
Embora o tatuador de Ricardo Godoi tenha afirmado que todos os cuidados foram tomados, o caso mostra a importância de regulamentar melhor o uso de anestesia em procedimentos estéticos. Esses procedimentos devem ser realizados apenas em locais preparados para emergências, com profissionais experientes e seguindo protocolos médicos rigorosos.
A tragédia também destaca a necessidade de uma boa comunicação entre tatuadores, médicos e clientes. Mesmo que exames prévios não tenham apontado riscos, é essencial que os clientes sejam informados claramente sobre os perigos envolvidos.
Atualmente, a ausência de regulamentação clara sobre o uso de anestesia geral em tatuagens deixa tatuadores e clientes expostos a uma série de incertezas. Sem diretrizes bem definidas, cada procedimento acaba dependendo da interpretação individual dos envolvidos — o que pode comprometer a segurança e a responsabilidade profissional.
Apesar do tatuador ter declarado que a equipe incluía os “melhores profissionais” e que exames foram realizados, a morte de Ricardo logo após a sedação levanta dúvidas sobre os protocolos seguidos e sobre a real necessidade de um procedimento tão invasivo para a realização de uma tatuagem.
Impactos na cultura da modificação corporal
Casos como esse nos fazem refletir sobre como a sociedade atual enxerga o corpo e a dor. A tatuagem, historicamente, é uma prática que carrega significados profundos de resistência, identidade e superação — sendo o próprio desconforto parte do ritual para muitas pessoas. No entanto, a anestesia retira essa dimensão da experiência, trazendo novas implicações culturais e éticas.
Além do caso de Ricardo Godoi, há outros registros que alertam para os riscos do uso de anestésicos em tatuagens. Em 2021, David Luiz Porto Santos morreu em Curitiba após a aplicação de um spray anestésico de lidocaína que, segundo investigações, possuía registro veterinário e foi usado de forma inadequada.
Durante o procedimento, que durou cerca de oito horas, o tatuador aplicou um spray anestésico de lidocaína na pele de David. Logo após a aplicação, ele apresentou sintomas como queda de pressão, convulsões e perda de consciência, vindo a falecer antes de chegar ao hospital.
Esses episódios destacam a urgência de maior fiscalização e regulamentação para garantir que qualquer uso de anestésicos em procedimentos estéticos seja conduzido com segurança.
No Brasil, tatuadores não têm permissão legal para aplicar nenhum tipo de anestésico — mesmo os que têm registro na Anvisa. Medicamentos só podem ser prescritos e aplicados por profissionais de saúde habilitados. Ou seja: se o cliente quiser usar algum anestésico, isso precisa ser feito por conta própria, com orientação médica. No estúdio, o artista não pode assumir essa responsabilidade — tanto por questões legais quanto de segurança.
Anestésicos mais usados e os riscos associados
Esses casos reforçam como o uso de anestesia em tatuagens, mesmo quando não envolve sedação total, pode ser arriscado. Além da anestesia geral, existe um leque de produtos tópicos amplamente utilizados — muitos deles fora das normas da Anvisa, aplicados sem supervisão médica, e com substâncias que, em excesso ou mal administradas, podem causar sérias complicações. Abaixo, listamos os principais anestésicos e pomadas usados por tatuadores no Brasil e no exterior.
1. Lidocaína
- Concentração comum: 2% a 5%
- Formas: Cremes, pomadas, sprays
- Riscos: Quando mal administrada ou usada em excesso, pode causar tontura, formigamento, queda de pressão, convulsões e, em casos graves, parada cardíaca.
2. Prilocaína
- Concentração comum: 2,5%
- Formas: Combinada com lidocaína (como no EMLA)
- Riscos: Pode causar queda de oxigênio no sangue (metemoglobinemia), além de irritação local e reações alérgicas.
3. Benzocaína
- Concentração comum: 10% a 20%
- Formas: Sprays, géis, pastilhas
- Riscos: Pode causar alergias severas, inchaço, dificuldade para respirar e metemoglobinemia, especialmente quando usada em grandes quantidades.
4. Tetracaína
- Concentração comum: 0,5% a 2%
- Formas: Cremes, sprays, colírios
- Riscos: Pode causar queimação, inchaço, dor local, reações alérgicas, queda de pressão, náuseas, tontura e arritmias.
5. Bactine
- Composição: Lidocaína 4%
- Forma: Spray usado somente em pele já aberta aberta durante o procedimento (efeito leve e rápido)
- Riscos: Pode causar irritações na pele, dificuldade na cicatrização, rejeição da tinta, além de risco de toxicidade se usado em excesso.
6. Cetacaine
- Composição: Benzocaína 14%, Butamben 2%, Tetracaína 2%
- Formas: Spray, gel, líquido
- Riscos: Pode causar reações alérgicas, metemoglobinemia, ardência, vermelhidão e, se ingerido, toxicidade grave.
7. Anestesia Geral
- Composição: Pode incluir agentes como propofol, midazolam, fentanil e outros sedativos intravenosos.
- Forma: Injetável, administrada por anestesistas em ambiente hospitalar.
- Riscos: Pode causar parada cardiorrespiratória, reações adversas a medicamentos, complicações pulmonares, náuseas intensas, confusão mental e, em casos raros, morte.
Produtos Populares
(proibidos no Brasil por falta de registro na Anvisa)
- TKTX: Pomada com altas concentrações de lidocaína e prilocaína.
- Dr. Numb: Creme com 5% de lidocaína.
- Hush Gel: Gel com lidocaína, indicado para uso durante tatuagens.
- NumbSkin: Creme anestésico com 5% de lidocaína.
- Riscos comuns: Por serem produtos não regulamentados, não há controle preciso das concentrações, o que aumenta o risco de reações como taquicardia, convulsões, intoxicação por anestésico, perda de consciência, entre outros efeitos adversos graves.
Entre a ética e a realidade
O método anestésico mais usado no Brasil é a pomada TKTX, composta por lidocaína (5% a 10%), prilocaína (2% a 5%) e, em algumas versões, epinefrina. Essas variações fazem com que o efeito anestésico seja mais forte ou mais fraco dependendo do frasco escolhido.
Apesar de popular, a TKTX é proibida pela Anvisa por não possuir registro sanitário. Isso significa que ela não passou por testes que comprovem sua segurança, eficácia e qualidade. Mesmo assim, segue sendo vendida irregularmente, principalmente online, com promessas não comprovadas. O uso sem controle pode causar reações graves, como convulsões e parada cardíaca. Seja trazida pelo cliente, vendida em camelôs ou encomendada por debaixo dos panos, ela faz parte do cenário — e é muito fácil de encontrar.
Agora pense: você é tatuador, recebe uma proposta de 10 a 15 mil reais pra fechar as costas de alguém, mas o cliente diz que só topa se usar a pomada. Você recusa? A maioria não. Alguns vão tentar se proteger com um termo de responsabilidade, explicar os riscos, mas no fim vão fazer. Porque o dinheiro fala alto — e também porque há uma pressão constante: do cliente, da concorrência e da própria sobrevivência na cena.
Então onde entra a ética nisso tudo? Talvez ela precise ser olhada com menos rigidez e mais consciência. Ética não é só dizer “não”, mas sim saber o que está em jogo e quem vai carregar a consequência se algo der errado. Anestesia geral? Poucas pessoas têm grana pra pagar por isso — e mesmo quando podem, os riscos continuam graves. Mas pomada? A linha é tênue, e muitos vão atravessar.
Não vamos nos apegar ao que é certo ou errado, esse texto é apenas informativo. Pra mostrar que, sim, existem riscos — e eles não são pequenos. E também lembrar que a dor da tatuagem não é esse monstro que vendem por aí. Mesmo procedimentos mais pesados, como blackout, são feitos diariamente por pessoas que encaram a dor como parte do processo ritualístico de se tatuar.
A verdade é que a dor da tatuagem é suportável. Não é uma agulha atravessando sua pele como num piercing, mas uma sensação contínua, como um ralado. Depois de muitas horas, sim, pode se tornar desgastante — e é aí que você escuta seu corpo. Dá um tempo. Respeita seu limite. Ninguém precisa fazer um braço inteiro em um dia e dor não é inimiga, ela é parte da história que você está escrevendo na sua pele.
A morte de Ricardo Godoi nos leva a repensar as práticas envolvendo anestesia em tatuagens. A tatuagem, por natureza, é um processo que exige tempo, paciência e respeito ao corpo. Projetos extensos, como fechamentos de costas, geralmente são feitos em várias sessões para garantir uma boa cicatrização e respeitar os limites da dor.
Tentar acelerar esse processo, como em casos onde vários tatuadores atuam simultaneamente sob anestesia geral, pode tornar a recuperação mais difícil e dolorosa. O corpo reage com febre, inflamações e imobilidade, o que compromete o resultado final. Além disso, a carga física e mental para o tatuador também se torna insustentável.
Projetos assim precisam ser feitos em etapas. Além de ser menos agressivo para o corpo, permite que você viva cada momento dessa transformação— algo que não deveria ser apressado.
Saiba mais informações sobre o caso de Ricardo Godoi em
g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2025/05/16/anestesista
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