Blackout: Autoexpressão na Tatuagem
O Blackout é um estilo de tatuagem que consiste em criar peças completamente pretas no corpo, popularmente feitas no antebraço, braço inteiro, parte superior do braço, podendo também ser feito em outros locais do corpo como pernas, pescoço e até no torso. O blackout pode ser feito como uma única peça preta, ou incorporar outros elementos na composição, como padrões abstratos, ornamentos, cybertribal, linhas vazadas e o que mais a imaginação permitir. Também é possível, depois de cicatrizado, tatuar por cima do Blackout com tinta branca e também fazer escarificação (técnica de marcar a pele com cortes feitos com bisturi, cauterizador ou a própria luz do sol).
A história do Blackout
As origens da tatuagem Blackout têm influência em culturas ancestrais que tinham práticas de modificação corporal com grandes significados dentro daquelas sociedades, como na Polinésia e no Sul da Ásia. A popularização desse tipo de tatuagem no Ocidente tem se dado com mais força a partir de 2010-2016. Acredita-se que um post viral no Instagram do tatuador Chester Lee em 2016, mostrando um blackout que ele havia feito na parte superior do braço, tenha sido o precursor para essa maior popularização do Blackout.
Considerado por muitas pessoas como o estilo de tatuagem mais “pesado” (ou brutal) de todos, ainda existe muito tabu e preconceito em cima desse estilo. Seja por a maioria das pessoas não entenderem os motivos que levam alguém a fechar uma parte do corpo com tinta preta, ou pelo próprio processo da tatuagem parecer exageradamente dolorido e demorado. Tanto que, ao pesquisar no google por “blackout tattoo”, um dos primeiros artigos que aparece se chama “Blackout tattoos are a bad idea – and here’s why” (Blackout tattoos são uma péssima ideia – e aqui está o porquê [tradução livre]), artigo esse que só espalha conceitos deturpados e desinformação.
Ao contrário do que pensa o senso comum, o blackout não é procurado apenas como forma de cobrir tatuagens antigas, embora seja uma boa solução para quem também gosta dessa estética.
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Adeptos
Os adeptos ao Blackout geralmente são pessoas ligadas ao movimento de modificação corporal e outros movimentos underground, mas não é restrito apenas a esses grupos. Talvez o ponto mais distinto do Blackout em relação a outros estilos de tattoo é que este serve muito mais como uma forma de auto expressão, como se o corpo fosse uma tela para expressar essa estética específica, diferente de conter um significado em si (como por exemplo tatuar um desenho que tem represente alguma coisa). Pode ser até por esse motivo que seja olhado com tanto preconceito e desconfiança, afinal muitos pensam “qual o sentido de pintar uma parte do corpo de preto?”. A razão pode ser simplesmente adotar uma estética que fuja dos padrões esperados, alargando os limites do que se entende por tatuagem.
Devido às dificuldades encontradas no processo de fazer um Blackout, como a dor de tatuar peças geralmente muito grandes, levando às vezes várias sessões para finalizar, muitos encaram como um ritual de superação pessoal, de fortalecimento, embasando a ligação dos Blackouts com culturas ancestrais.
Para ter uma ideia mais diversa dos motivos que levam as pessoas a fazerem o Blackout, coletei alguns relatos através do Instagram, que você pode ler abaixo:
“Autenticidade, autoestima e resistência. O blackout transcende um desenho eternizado; é uma expressão profunda que se revela a cada olhar no espelho, um manifesto visual. Demonstra a força e a singularidade de quem o carrega. No blackout, não vemos apenas a tinta preta sobre a pele, mas a essência de quem somos.
Além da estética, me lembra todos os dias da minha escolha, minha força e perseverança.” @oh.triz
“Para mim, ter blackout foi como um novo começo, ainda mais do que as minhas outras tatuagens. Não era apenas colocar arte na minha pele porque eu gostava e isso me dava conforto. Era uma lousa em branco. Algo que eu poderia olhar para baixo, me orgulhar e construir o que eu quisesse, da maneira que eu quisesse, por cima. Acho que há muito pensamento negativo em relação a blackout ou estilos de blackwork, mas, na verdade, às vezes você precisa se lançar em algo totalmente diferente e novo só para se sentir você mesmo de novo; só que melhor e reestruturado.” (relato original em inglês, traduzido no ChatGPT) @ _dante.98
“Além de achar esteticamente bonito, o blackout me deu a oportunidade de ver as coisas que eu amo (e eternizei na pele) sob outra perspectiva. Tinha um braço fechado e esse era o “braço das coisas mais importantes” e decidir passar a tinta por cima foi uma ressignificação pra mim. Uma nova história. Nós amamos não pelo que as coisas ou pessoas são, mas pela nossa perspectiva acerca daquela coisa ou pessoa. Então tentar explicar pra alguém uma tatuagem ou colocar em palavras aquilo que o desenho te representa sempre vai ser uma experiência frustrante porquê a compreensão das pessoas parte do ponto de vista delas. O blackout me fez desapegar de ser entendido pelo próximo e de querer que as pessoas valorizem o mesmo que eu valorizo. Isso me trouxe uma lição: pra que o amor seja recíproco eu tenho que aceitar e amar pessoas e coisas pelo que elas são, não pela minha perspectiva.” @rossonicosta.tv:
Em muitos outros relatos a questão principal apresentada foi a auto estima, seja pelo fato do Blackout permitir cobrir tatuagens antigas que não trazem mais identificação, ou pela estética única que o Blackout transmite. Para mim além de todos esses pontos, escolher fazer um Blackout também foi uma questão de tomar controle do meu próprio corpo, sendo eu a única pessoa a ditar o que pode ou não ser feito com ele, e independente do estranhamento que esse tipo de tatuagem causa da sociedade num geral, talvez até justamente usando esse estranhamento como forma demarcação de que o meu corpo é um território unicamente meu.
Questões Técnicas
Observando superficialmente, pode parecer que fazer um Blackout, na perspectiva de quem tatua, seja algo fácil, afinal é “só” pintar a região de preto. Mas para obter uma pigmentação parelha, bem saturada e sem machucar a pele em excesso, é necessário dominar a técnica específica e usar bons equipamentos. Hoje em dia no mercado mundial é possível encontrar cartuchos de 49mg, 123mg e até 143mg. Porém essas duas últimas numerações são extremamente raras e difíceis de achar, principalmente no Brasil, o que leva muitos tatuadores a acabarem usando agulhas não tão próprias para isso, como a 27mg. Outra ideia que se tem é a de que só é possível fazer Blackout usando uma máquina extremamente forte para obter um resultado bom. Mas novamente enfatizo que é uma questão de técnica. Colocar força excessiva na pele usando um número tão grande de agulhas pode machucar demais, criando cascas grossas que após caírem, mesmo que naturalmente, vão deixar visíveis falhas.
É evidente que a máquina utilizada tem que ser capaz de empurrar todas as agulhas sem dificuldade, mas é a técnica, a agulha e a tinta que vão ter papel crucial para um bom resultado. Em 2023 postei um vídeo no Instagram fazendo um Blackout utilizando a máquina Electra Pop, da marca Electric Ink e um cartucho de 123mg. O vídeo viralizou, tendo 1,3 milhões de visualizações, e muitos comentários chocados que eu estava usando essa máquina. A Electra Pop é uma ótima máquina de entrada, porém muitos a consideram fraca por ter um cursor de 3,2mm. Com esse vídeo eu desmistifiquei a ideia de que Blackout SÓ pode ser feito com máquinas muito fortes. Na foto abaixo você pode conferir o resultado cicatrizado de um Blackout feito com essa máquina, sem filtro e sem edição.
O ponto que eu quero chegar com isso é: não estou incentivando o uso de máquinas com cursor de 3mm para fazer Blackouts, o ideal é de fato que seja feito com máquinas de cursores 4mm ou 4,2mm (tanto é que já aposentei minha Pop, descanse em paz e obrigada por tudo) porém eu consegui fazer com a Pop depois de anos estudando muito a técnica em si. Por isso, se você tem vontade de começar a tatuar nesse estilo, ou em qualquer outro, o estudo constante é o principal elemento para trazer à vida tatuagens incríveis.
Dicas para quem quer fazer uma tatuagem blackout
Se você tem vontade de fazer um Blackout, eu recomendo que encontre artistas que tenham experiência no estilo, pois é uma tattoo que vai ocupar uma parte grande do seu corpo, cuja remoção em caso de arrependimento, é muito difícil, senão impossível, dolorida e cara. A dica mais importante nesse caso é ver algum trabalho desse(a) artista cicatrizado, de preferência sem filtro e sem edição. Essa é a melhor forma de saber se o profissional escolhido realmente é capaz de fazer um blackout sólido e parelho.
Outra questão importante a se considerar é a fase de cicatrização e os cuidados necessários, que também são diferentes de outras tatuagens. Por serem peças muito grandes, com muita tinta, a recuperação pode ser um pouco desafiadora por conta do inchaço nos dias posteriores à sessão e pela quantidade de tinta e linfa que o corpo expele nos primeiros dias. Por isso é crucial que você siga muito bem os cuidados passados por quem te tatuou, continue em contato com essa pessoa para acompanhamento da cicatrização, e também que você tire no mínimo dois dias de descanso após tatuar (principalmente se for no braço, região com muito movimento, pernas e articulações).
Uma dica final para que o Blackout seja uma boa escolha pra você é pensar bem nas tatuagens futuras que você pretende fazer, pois aquele espaço vai estar “ocupado” de forma praticamente irreversível pelo bloco preto. No entanto, no caso de coberturas pode ser realmente uma ótima solução, ainda mais se você gosta dessa estética. E se você ainda tinha dúvidas, espero que esse artigo tenha servido para desmistificar os preconceitos e tabus em relação a esse estilo.
Referências:
“Blackout Tattoos” Are a Bad Idea—Here’s Why
What You Need to Know About Blackout Tattoos | Tattooing 101
Blackout Tattoos: Unleashed at No Regrets Studios • No Regrets UK